Há trinta anos, o vietnamita Thai Quang
Nghia, então com 21 anos, lançou-se ao mar em um barco improvisado
na tentativa desesperada de fugir do regime comunista, no qual
enxergava parcas possibilidades de vida decente. Thai ficou à deriva
em mar alto. Resgatado por um navio petroleiro da Petrobras, veio
parar no Brasil. O jovem imigrante enfrentou grandes dificuldades de
adaptação ao país, a começar, claro, pela língua e pela burocracia
de legalização de sua permanência. Como a maioria dos imigrantes,
Thai trabalhou e perseverou com afinco redobrado. No começo sem
muito sucesso. Mas aos poucos sua vida foi melhorando, até dar o
passo decisivo de abandonar a idéia de ser empregado para lançar-se
em um negócio próprio. Hoje, Thai é dono de uma empresa, a Goóc
(raiz, em vietnamita). Ele produz anualmente 3 milhões de pares de
sandálias e tem compradores em dezessete países. Entre 2004 e 2007,
a Goóc cresceu 500%, atingindo um faturamento de 50 milhões de
reais. A improvável história do refugiado do comunismo que trombou
com a sorte em alto-mar é apenas uma entre as de milhares de novos
capitalistas prósperos no Brasil. Antes, eles apenas sobreviviam e
contavam como sucesso o simples fato de não entrar em regime
falimentar. Nos últimos anos, porém, estão tendo um progresso
turbinado por crédito farto, estabilidade monetária, mercado interno
ávido por consumir, abertura para o exterior e perspectivas
crescentes de melhora.
Crescer e ser o maior e o melhor em escala mundial é um objetivo
viável agora para os empreendedores brasileiros. No passado o sonho
era apenas não alimentar as estatísticas de mortalidade precoce das
empresas", diz Paulo Veras, diretor do Endeavor, instituto com o
radar ligado sobre as águas do mar empresarial brasileiro em busca
de talentos empreendedores. O economista Armínio Fraga,
ex-presidente do Banco Central, um investidor realista e precavido,
enxerga uma mudança para melhor em caráter permanente nas condições
de nascimento e vida para os empreendedores no Brasil. "Esse
fenômeno veio para ficar", escreve Fraga. Que fenômeno é esse? Ele
tem múltiplos planos. O de fundo mostra uma economia que começa a
colher os melhores frutos de mais de uma década de apostas corretas
dos governantes na condução das contas públicas, materializadas pela
independência operacional do Banco Central e sua missão precípua de
controlar a inflação, pelo compromisso com a produção de superávits
primários, pela atenção ao cumprimento dos contratos e pela
crescente abertura da economia para o exterior. No plano médio se
destaca a chegada do mercado de capitais a sua maturidade. O valor
arrecadado por empresas com a abertura de ações na bolsa atingiu
55,5 bilhões de reais no ano passado. São recursos que dificilmente
seriam obtidos por meio do crédito bancário – embora este também
esteja em alta. Em primeiro plano, por estar mais à mostra do
observador, aparece a incrível vocação do brasileiro para
aventurar-se no mundo como empresário.
À combinação de fatores acima some-se uma economia mundial ainda
sedenta por produtos e matérias-primas brasileiros e tem-se o que os
economistas chamam de "círculo virtuoso", a situação mágica em que
as inevitáveis imperfeições da economia se auto-anulam produzindo um
resultado positivo. Um exemplo clássico disso é o câmbio. A cotação
do dólar vem caindo e beira agora 1,70 real. Esse valor é desastroso
para os exportadores, que recebem menos dinheiro pela mesma
quantidade exportada. Por outro lado, o fenômeno mundial que
deprecia o dólar esquenta a procura por exportações brasileiras;
assim, o que o exportador perde no câmbio recupera no volume vendido
lá fora. O atual "círculo virtuoso" oferece números inebriantes.
Pouca gente se dá conta disso, mas um país onde a probabilidade de
se tornar um milionário é maior do que a de levar um tiro fatal é um
país no rumo correto.
Segundo um estudo da empresa de
consultoria internacional Boston Consulting Group (BCG), o Brasil
tem hoje cerca de 190.000 pessoas com aplicações financeiras
equivalentes a 1 milhão de dólares ou mais. Só no ano passado,
60.000 brasileiros tiveram o privilégio de festejar o seu primeiro
milhão em um cálculo que leva em conta apenas os chamados ativos
financeiros – ou seja, não foram computados os ativos imobilizados,
como casas, apartamentos, lotes ou fazendas. Em 2002, os milionários
brasileiros por esse critério financeiro eram cerca de 75.000. Em
cinco anos esse número aumentou 150%. Ritmo igual só se vê na China
atualmente. A multiplicação de milionários e o crescente sucesso dos
empreendedores podem ser tomados como indicadores de aumento da
prosperidade geral do país? No caso do Brasil e da China, sem
dúvida. Ninguém questiona isso fora do círculo dos prisioneiros de
uma certa mentalidade jeca-tatu, segundo a qual a criação de
milionários só pode se dar pela concentração da riqueza nas mãos de
poucos privilegiados. Esses observadores são vítimas de uma das
falácias mais toscas que turvam a visão da economia, a do "jogo de
soma zero". Ou seja, o meu ganho significa a sua perda. Tolice
resistente. Nas economias maduras e nas que começam a amadurecer,
como a do Brasil, as transações econômicas tendem a se concretizar
apenas se são boas para todos os lados. Quando isso acontece, elas
se multiplicam, criando empregos e riqueza. Nesse ambiente, os
milionários surgem pelo trabalho árduo como o do vietnamita Thai e
dos outros empreendedores retratados nesta reportagem. Surgem também
do investimento em ações, o mais espetacular mecanismo de
popularização das benesses do capitalismo já colocado de pé. Em
1993, antes do Plano Real, 43% dos brasileiros viviam na pobreza.
Hoje são 30%. "Não só a desigualdade vem caindo como também os
indicadores de pobreza", afirma o economista Samuel Pessôa, da
Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. Pessôa lembra que a boa
saúde financeira e do mercado de capitais é uma mola propulsora da
criação de riquezas. Diz ele: "Quando a bolsa se valoriza, há mais
dividendos para ser pagos. A longo prazo, a riqueza financeira
acompanha a riqueza real. O setor financeiro também é um setor
produtivo; a sociedade fica mais rica com ele".
Os indicadores econômicos comprovam que,
longe de beneficiar alguns poucos, o avanço da economia tem sido
virtuoso para toda a população. No ano passado, foi criado 1,6
milhão de empregos formais no país, um recorde histórico. A
economia, que havia se acostumado a taxas de crescimento medíocres
que mal ultrapassavam 2%, subiu agora para uma velocidade de 5% ao
ano. O consumo se popularizou, e as vendas do comércio subiram 10%
em 2007. Um estudo da consultoria Ernst & Young indica que, em 2020,
a massa salarial do país chegará a 270 bilhões de dólares. Como
resultado desse aumento no poder aquisitivo, o Brasil continuará a
assistir a um rápido avanço do consumo interno. Por isso, além de
atividades tradicionais como o agronegócio e a mineração, os setores
mais dinâmicos e prósperos da economia, nos próximos anos, deverão
ser aqueles ligados ao consumo interno. São negócios como a
construção civil e a venda de imóveis, o comércio de eletrônicos, os
serviços de saúde e educação. Vão surgir daí os novos milionários
brasileiros.
O Ibovespa, principal índice da Bolsa de São Paulo, acumula uma
valorização superior a 400% desde o início de 2003. A descoberta da
bolsa de valores como uma dinâmica e imprescindível fonte de
capitais estimulou negócios e ajuda a entender a multiplicação dos
milionários no país. Isso porque quem ganha dinheiro não é apenas a
empresa que vende ações, mas todas as pessoas envolvidas nesse
processo – economistas, analistas de empresas, advogados e os
próprios funcionários das companhias. Um exemplo disso é a locadora
de veículos Localiza. Em 1998, antes de abrir seu capital na bolsa,
a empresa distribuiu ações a 48 de seus funcionários. O preço dos
papéis, depois de negociados na Bovespa, chegou a triplicar. Cada
empregado levou, em média, 800.000 reais, mas há quem tenha ganho
mais de 1 milhão. Nos últimos anos, no entanto, a empresa não
cresceu como o esperado e o preço das ações recuou. Faz parte da
dinâmica do mercado, quem não mostra resultados acaba sendo punido.
A valorização da Bovespa conta apenas parte da história – mesmo
porque já houve febre de investimento em ações no passado e também o
Brasil já experimentou bolhas econômicas que não se sustentaram. O
que diferencia o atual momento é o despertar não apenas da Bovespa,
mas de toda a cadeia financeira, que distingue uma democracia
moderna de um país pré-capitalista. Pela primeira vez na história do
Brasil há capital de risco disponível para financiar as diversas
etapas da criação e desenvolvimento de um negócio – desde o
surgimento de boas idéias nas incubadoras universitárias até o
lançamento de ações na bolsa de valores. O Brasil galga mais um
passo rumo ao amadurecimento pleno de sua economia. É um passo
essencial e irreversível, por seu efeito multiplicador de riquezas e
de democratização de acesso ao capital. O poder revolucionário dessa
transformação já foi testado e aprovado por outros países. Na
avaliação do visionário americano Peter Drucker (1909-2005), pai da
teoria moderna de administração de empresas, poucos fatos foram tão
determinantes para a consolidação da liderança econômica dos Estados
Unidos quanto a emergência de uma economia verdadeiramente
empreendedora. A popularização do investimento em ações, que só
agora se insinua no Brasil, desencadeou-se na economia americana há
três décadas. A mudança foi radical. Trabalhadores, antes simples
empregados, passaram a ser acionistas de empresas. Tornaram-se
capitalistas, no lugar de proletários. É a transformação que começa
a ganhar raízes no Brasil, como mostra o caso da Localiza. "Surgiu
uma riqueza nova no país. Toda a pujança no mercado de capitais
girou uma roda da fortuna. São advogados, auditores, consultores que
acabam dividindo milhões em receita de determinado negócio", afirmou
Marcelo Xandó, da Verax, consultoria especializada na gestão de
fortunas.
O setor privado, como se vê, despertou de seu sono de três décadas,
no qual hibernava desde o milagre econômico dos anos 70, e recuperou
o espírito animal e empreendedor descrito pelo inglês John Maynard
Keynes (1883-1946). Já o setor público insiste em ser um peso atado
aos pés dos empresários brasileiros. O ponto mais frágil segue sendo
o descabido tamanho do estado brasileiro. Os gastos com o governo
representam, anualmente, perto de 40% de tudo o que o país produz (o
produto interno bruto, PIB). Se mais recursos ficassem nas mãos das
pessoas e empresas, haveria mais dinheiro para o consumo e
investimentos, o que alçaria o país a outro patamar de
desenvolvimento. Defeito correlato a esse é o endividamento público
excessivo. O Brasil precisa ainda aumentar a eficiência da
administração pública, reduzir a burocracia e agilizar o Judiciário.
Esses fatores negativos fizeram o país perder posições no ranking de
liberdade econômica elaborado pela americana Heritage Foundation em
parceria com o jornal The Wall Street Journal. Entre 157 nações
analisadas, o Brasil ficou com a posição de número 101. Quando a
economia brasileira se livrar das amarras da lei trabalhista dos
anos 40, do pesado endividamento público e da burocracia infernal, o
país será uma aposta ainda mais segura para milhões de milionários
em potencial.
Ser milionário é ter uma poupança equivalente a 1 milhão de
dólares
100 em cada 100 000 brasileiros já são milionários.
Em 2007, 60 000 brasileiros acumularam seu primeiro milhão.
Isso significa que a probabilidade de se tornar milionário no Brasil
é:
• 22% maior que a de ser assassinado.
• 50% maior que a de morrer em um acidente de trânsito. |